terça-feira, fevereiro 28, 2006

xi: o pai, o filho e o bonga.

Mais uma vez, Zé Tó/Mariema corria. Mas corria a valer. Corria tanto que teve um dejá vu. Sentia que já havia corrido assim antes. Os adolescentes em fúria corriam também, atrás dele, empunhando pedras, tochas e forquilhas. “DIZ-NOS AS HORAS! NÓS SÓ QUEREMOS SABER QUE HORAS SÃO!”, gritavam eles. Foi só na estação de serviço da Mealhada, que Zé Tó/Mariema os despistou, escondendo-se atrás de um escorrega. Vendo que já estava a salvo, Zé Tó/Mariema decidiu ir para casa. Conseguiu arranjar boleia e assim que chegou a casa, viu que o carteiro já tinha passado por lá. Sentiu-se devastado. A visita do carteiro era o seu momento alto do dia. Todos os dias, Zé Tó via o carteiro inserir cuidadosamente a sua correspondência na ranhura. E suspirava.

Foi ao ler uma das suas cartas, que Zé Tó começou a choramingar. O processo de mudança de nome não havia sido aceite e Zé Tó teria de ser Zé Tó para sempre. “Ó, triste de mim! Ó, o meu infortúnio!”, disse em voz alta, “Não serei eu digno de tal felicidade? Estarei eu destinado a ser um homem visgolho, com uma prótese na perna e um panado colado à cabeça para toda a eternidade?”. E então, Zé Tó, numa atitude que desafiaria a lei do Universo, decidiu comer o panado. Seria apenas um homem visgolho e com uma prótese na perna e não um homem visgolho com uma prótese na perna e um panado colado à cabeça.

Já conformado por não ter podido recolher um souvenir da Irmã Lúcia, Zé Tó decidiu que ia comer peixe ao jantar. Dirigiu-se à peixaria para comprar um belo de um chicharro para assar no forno com umas batatinhas assadas. Ia a passar pela bancada das fanecas e das xaputas, quando foi de encontro a um homem de barba. Mas o mais surpreendente foi a reacção do homem. Foi com uma lágrima no canto do olho, já dizia o sábio Bonga, que o homem de barba exclamou: “MEU FILHO!”.