domingo, julho 09, 2006

xii: Os ABBA e suas tendências homicidas.

Quem seria aquele homem de barbas que, chorando, lhe dizia ser seu pai? Será que seria, empolgado pela polémica do Código Da Vinci, Jesus Cristo à procura de descendência forçada? Se Audrey Tautou pode ser filha dele, Zé Tó também. Pelo menos foi o que ele pensou. Mas reparou naquele instante que o homem barbudo era afinal estrábico e estava a olhar para um pequeno rapaz anão que se encontrava a jogar à macaca com duas freiras carecas, do outro lado da rua. Zé Tó chorou também. Zé Tó sentia que a vida lhe pregava rasteiras. Quando surgia a oportunidade de roubar um fémur à Irmã Lúcia, ou ao seu esqueleto, a vida desviava-o para outra zona do país. Quando surgia oportunidade de se tornar herdeiro da família biblíca um qualquer anão amigo de noviças punha-se à sua frente na sucessão hereditária. Zé Tó, conhecido como Mariema, Carlos Ramires ou Lurdinhas das Fotocópias, tinha atingido o seu ponto de saturação e, vindo das entranhas de Santa Comba Dão, o espírito do Mal entranhou-se no seu corpo anteriormente inocente e fê-lo agarrar num machado, que num acaso acidental tinha caído da varanda de um carniceiro sociopata que vivia no prédio em frente. De machado na mão e ar no peito, Zé Tó começou a murmurar algo que, de início, parecia uma reza mas que começou a aumentar de volume até se perceber finalmente que era uma versão em espanhol do Gimme Gimme Gimme (dos ABBA). "Dame Dame Dame Amor esta noche!" e Zé tó arrancava em direcção ao anão, às freiras e a Jesus Cristo. O machado oscilava nas suas mãos mas ele continuava a correr. As freiras despiram as roupas para correrem melhor e Jesus Cristo agarrou no pequeno anão, que se chamava Tadeu, para que este não ficasse para trás. A imagem arrepiava pela surrealidade. Uma perseguição assombrosa. Assim: Zé Tó corria com um machado na mão atrás de duas mulheres em cuecas (perde-se a roupa perde-se a fé) e de um homem de barbas e túnica branca (e sandálias) que carregava nos braços um anão que não era maior do que uma colher de pau. Por cada rua, estrada, avenida, beco, praça, largo, travessa por que passavam ficava no ar uma atmosfera de programa da manhã: todos conseguem ver o que está acontecer mas ninguém percebe porquê. Nenhum deles parecia cansar-se, a nenhum deles parecia faltar o ar. Tudo isto a caminho de Sta. Apolónia.